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Imagine o seguinte cenário: decide procurar um profissional de Hipnose, para o ajudar no seu problema. A partir do momento em que começa a conversar com o terapeuta, repara que este está a ler-lhe perguntas. Acha estranho mas, cordialmente, vai respondendo. Passa para a "cadeira mágica". Sem qualquer cuidado com as suas preferências, o terapeuta retira uma série de folhas de um caderno. Ainda nem os seus olhos estão completamente fechados e já está a reparar que o terapeuta está a ler, não lhe dando a importância que merece. Estaremos, então, a ver a nova vaga de Hipnose? Guiões para todos os problemas?

Se recuar-mos até a partir dos 60, no campo da Saúde Mental, começamos a reparar numa tendência para a construção e esquematização de modelos e intervenções, sob a forma de manuais técnicos. Modelos terapêuticos, como o Cognitivo, Comportamental e intervenções consideradas de 3ª Geração são mais aptos a serem usados desta forma, dada à sua natureza. Assim, podemos encontrar um manual de aplicação de Terapia Cognitivo-Comportamental, de todas as suas fases, do principio até ao final. 

Este movimento faz com que tenhamos a tendência para deixar o aspecto filosófico e, até, teórico dos modelos e dos seus principais autores, para que nos tornemos máquinas de aplicação robotizada de um modelo, sem considerarmos as questões que nos levam a fazer o que fazemos, as questões imediatas do cliente, as suas preferências, a relação terapêutica e mesmo o próprio estilo do terapeuta. Em suma, quando estamos perante situação X, aplicamos mecanicamente X. 

Esta abordagem tem um grande problema. Sendo o objecto da intervenção o ser humano, este possuiu uma enorme variabilidade de pensamentos, emoções e comportamentos, está rodeado de determinados sistemas, com características próprias. Tem uma cultura, uma história e uma série de características que o tornam único. Por mais que consigamos prever determinados movimentos, vamos sempre encontrar pessoas que, em determinadas situações e face a determinados estímulos, vão oferecer-nos respostas às quais não esperamos. Por mais padronizada que consigamos que sejam as intervenções, vamos sempre encontrar momentos que vão exigir dos terapeutas momentos de criatividade, flexibilidade, algo feito à medida do cliente e, claro, uma resposta em função da sua experiência clínica.

Esta tendência não é apenas observada no campo da Psicoterapia. Também no campo da Hipnose, de à décadas, podemos encontrar uma panóplia de livros, cujo conteúdo limita-se apenas a guiões, para intervenção nas mais variadas problemáticas. Ou seja, se a pessoa apresenta problema X, aplica-se guião X. E há-de resultar!! Dizem...

Ok, vamos ser justos. Só utilizam guiões quem quer. Ninguém é obrigado, certo? Errado. Infelizmente, a actual prática de ensino de muitos cursos de Hipnose têm como base a prática de guiões. Ensinam a técnica, a pessoa pratica algumas vezes e depois apresentam os mais variados guiões, para as mais variadas situações. O que tem tendência para acontecer é, no final da formação, as pessoas passam para a prática, inseguras, sem grandes bases, em que o único recurso que estão habituados é recorrerem ao guião. 

Mas antes que vozes se elevem em fúria, tenho de ser honesto. Existem pontos positivos para guiões. Para além de exporem várias técnicas de indução diferentes, ajudam a estruturar a linguagem e algumas sugestões apropriadas, para determinadas situações. Alguns desses manuais apresentam um racional para os termos e intervenções utilizadas, assim como analisam passo a passo, os movimentos apresentados.

Os pontos negativos, no entanto, são os mais preocupantes. Os guiões não dão conta das variações de respostas que cada pessoa pode ter. Ou seja, para um guião, qualquer pessoa é igual à outra. Os guiões não apresentam variações de estilo. Ou seja, teremos uma obra escrita num estilo tradicional ou escrita num estilo ericksoniano (apesar de alguns autores mais tradicionais apresentarem sugestões de uma linguagem mais permissiva e indirecta). Muitos desses guiões são escritos por praticantes de PNL, o que faz com que as estratégias sejam, principalmente, técnicas de PNL, retirando o verdadeiro sumo da intervenção de Hipnose. 

Sobretudo, treinar pessoas com base no guião faz com que lancemos para o mundo profissional pessoas inseguras, com dificuldade em serem flexíveis, sem grandes ferramentas técnicas, já que utilizam sempre o mesmo guião, sem explorar as suas capacidades de observação e, sobretudo, não serem capazes de estabelecerem a relação terapêutica. 

Em conclusão, ser-se capaz de escrever um guião é uma competência útil. Mas Hipnose é uma técnica experiencial e relacional. Não fazemos Hipnose à pessoa, fazemos Hipnose com a pessoa! Assim, temos de ser capaz de responder, quase no imediato, ao que o cliente nos traz e transmite, o que faz com que estejamos atentos e sintonizados ao outro. Se a nossa preocupação for o guião, isso vai ser muito difícil e a eficácia da intervenção será muito mais baixa. 

Pedro Ribeiro

19/09/2017


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