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Recordo-me vivamente ser questionado, num curso de Hipnose, sobre o uso de Hipnose para recuperação de memórias, num caso em que a pessoa foi atacada. Na altura, mostrei-me cauteloso a responder, assim como me mostro cauteloso sobre Hipnose Forense. Esta área de aplicação é assim tão complexa? Ora vejamos!

Anteriormente, dediquei uma série de textos sobre as áreas de intervenção em que Hipnose pode ser utilizada, como um complemento ao modelo terapêutico usado. Nesse sentido, a literatura é bastante clara ao enumerar a eficácia de Hipnose, como coadjuvante, em muitos casos de perturbações psicológicas e patologias físicas. Serei bastante optimista em dizer que, à medida que o tempo vai passando, cada vez mais perturbações e patologias estão a responder muito bem, tanto quantitativamente como qualitativamente, a intervenções hipnóticas. 

Todavia, existe uma área em que Hipnose não é tão discutida, pelo menos em Portugal. Essa área destina-se à investigação criminal, onde o uso de Hipnose é conhecido como Hipnose Forense

Hipnose Forense é a aplicação de Hipnose na investigação de processos civis e criminais, pudendo ser usada tanto pela acusação como pela defesa. Aqui, o principal objectivo do investigador forense é utilizar Hipnose, principalmente, para melhorar a memória da vitima, de modo a que esta possa dar a melhor qualidade de detalhes possível. Hipnose Forense distingue-se de outras áreas de utilização de Hipnose exactamente pelo seu objectivo e foco, em cada incidente particular.

Imagine um cenário hipotético em que estava com um(a) companheiro(a) a fazer compras, numa superfície comercial. Sem notar, uma pessoa surge de repente para vos assaltar, agredindo-vos violentamente com intenção de roubo. A situação foi tão rápida que os detalhes são muito pouco ricos (ou assim parece). Para além disso, estão ambos preocupados um com o outro, o que desvia o foco de atenção para recordar o que se passou. Sem outras testemunhas, o relato pode ser a prova mais importante que a Polícia tem. Nesse sentido, é chamado um investigador criminal com formação em Hipnose. Este profissional irá falar com ambos, individualmente, onde introduzirá o processo de Hipnose de modo a que a pessoa possa recuperar o máximo de detalhes, aqueles que pensava nem se lembrar, de modo a enriquecer o seu relato.

A utilização deste processo requer o trabalho com um fenómeno hipnótico muito específico, Hipermnésia. Hipermnésia é a capacidade para recordar mais detalhes de uma situação especifica, através de um maior foco de atenção e relaxamento da mente. Pense num continuum: enquanto que amnésia está num dos pólos (capacidade para bloquear ou esquecer informação), hipermnésia está no pólo oposto. 

Embora possa parecer como uma potente arma para ajudar a investigação criminal, o uso de Hipnose em entrevista apresenta enormes riscos. O principal terá haver com a veracidade do relato

Uma das principais preocupações de um investigador, em processo de entrevista, é garantir que a forma como esta é conduzida não induz o sujeito a nenhum resposta. Como sabemos, o ser humano pode ser sugestionado e esta possibilidade aumenta em situação de intenso stress, privação sensorial, privação de necessidades básicas (comida ou descanso) e o uso de padrões linguisticos mais sugestivos. Assim, o relato do sujeito corre o risco de ser contaminado pelas intenções do entrevistador. 

Hipnose, pela sua natureza, faz uso de linguagem e movimentos não verbais, cujo objectivo é sugestionar a pessoa para ideias, emoções ou comportamentos. Isso significa que podemos estar a guiar a pessoa para realizar associação mais directas ou indirectas mas, no fundo, sempre guiando

Desta forma, o investigador corre o risco de sugestionar a vitima ao ponto de fazer com que crie associações não realistas do acontecimento, guiando a pessoa para pormenores que não aconteceram. A investigação chama este fenómeno de Falsas Memórias, a criação propositada, ou não, de memórias que nunca ocorreram, mas que o sujeito se recorda e se convence da sua veracidade. Podemos encontrar na literatura várias experiências realizadas, onde falsas memórias eram implantadas em sujeitos, mesmo num estado de vigília. A maioria acaba por relatar essas memórias como autênticas e, mesmo quando revelado que eram falsas, muitos continuaram convencidos que eram autênticas.

Nos anos 70 e 80, vários acontecimentos relacionados com relatos de violações, principalmente nos Estados Unidos, levaram a condenações de familiares de vitimas. Hipnose foi utilizada para melhorar a memória e o relato das vitimas, acabando por ser possível a condenação. Anos mais tarde, avanços na Ciência Forense veio a contradizer esses relatos, através da recuperação de provas físicas. Apesar das decisões terem sido revertidas, todo o sofrimento das acusações levou a que relações familiares fossem destruídas e dificilmente recuperadas. A partir desses incidentes, foi decretado que o uso de Hipnose não seria admissível em Tribunal, tanto como prova de acusação como para prova de defesa

Em Portugal, não me parece que a Lei Criminal regule ou aceite a utilização de Hipnose em Tribunal. Se estiver errado, peço que me corrijam! 

Em conclusão, por mais útil que Hipnose seja, do ponto de vista da investigação criminal e forense, penso que a sua utilização será sempre muito perigosa e contestada. Por melhor treinado que seja um profissional, a utilização de Hipnose pode ser uma porta aberta para a contestação de processos e arquivamentos

Entrevistas estruturadas, devidamente validadas e investigadas, assim como provas físicas serão muito mais viáveis, em processo civil e criminal

Eventualmente, o investigador poderá usar Hipnose para facilitar o conforto e o relaxamento de uma entrevista, onde o sujeito possa estar sob um grande trauma. Mesmo assim, sugiro que esteja sempre alguém a observar ou que se obtenha o consentimento informado para filmar a sessão, de modo a que fique devidamente registado a boa utilização de Hipnose para que não possa prejudicar futuros processos legais


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