Artigos

Surge-me à mente duas obras distintas. A primeira é o autêntico tratado da política obscura e de cortar o pescoço, "O Príncipe" de Niccoló Machiavelli. É impressionante como um texto escrito no Séc. XVI ainda é tão citado e tão atual nos meandros dos jogos políticos, como obter uma vantagem sobre o outro, ao mesmo tempo que lhe sorrimos. A segunda obra "A Arte da Guerra" de Sun Tzu, a autêntica estratégia de guerra de como obter a supremacia até antes de se entrar no campo de guerra. Tão popular que foi adaptada à gestão e organizações. O que é que isto tem haver com o mundo da Saúde e da Saúde Mental, em particular? Tudo!

Uma das conquistas dos estados de direito e da democracia foi, sem dúvida, o acesso à Saúde. Um privilégio que, para muitos, era uma realidade não atingível, tornou-se um vértice da democracia, da conquista da liberdade e da possibilidade de igualdade. 

Portugal apresenta um dos melhores Sistemas Nacionais de Saúde, apesar de todas as suas fragilidades. Juntamente com um sistema de acesso público, temos já vários acordos estabelecidos entre seguradoras e grupos de saúde privados e/ou público-privados. Apesar de tudo isso, a fatia económica do Orçamento de Estado parece nunca ser suficiente para culmatar os deficies de instalações, equipamentos e contratações de técnicos superiores especializados. Défice económico ou má gestão? Deixo para a sua consideração!

O que levanta a questão: se a Saúde é um bem necessário e de acesso a todos, como é que acabamos sempre por estar a falar sobre dinheiro? A resposta é simples e direta… para se ter acesso a bons cuidados de saúde, necessitamos de pagar bem!

Vou apenas deixar aqui dois exemplos. A campo da dor e o campo oncológico. 

Começando pelo campo oncológico, atualmente o Instituto Português de Oncologia é dos poucos locais de acesso público, onde a pessoa pode recorrer para intervenção e tratamento, a baixo custo. Por mais meritório que seja o trabalho do IPO, o facto é que as listas de espera são elevadas o que pode colocar em risco a vida da pessoa, em cancros onde o grau de agressividade possa ser elevado. Ou seja, a possibilidade de acesso à Saúde pode trazer consequências graves, a longo prazo.

Outro fator importante é o tratamento oncológico. Por mais avanços que a Medicina tenha conseguido no campo oncológico, sendo muitos, a sua intervenção principal ainda está assente em procedimentos cirúrgicos, Quimioterapia e Radioterapia. Estes procedimentos são compostos por fármacos bastante caros, potencialmente perigosos devido a radiação e o consumo de materiais de enfermagem. Para que as instituições possam suportar estes custos aos laboratórios farmacêuticos e fornecedores de equipamentos médicos, algum dinheiro tem de entrar na sua contabilidade. Já para não falar dos exames e equipamentos necessários (carissimos!) para diagnosticar cancro. Todo este processo pode chegar aos 30 Mil Euros! 

Relativamente à dor, estima-se que 25 a 80% da população apresente ou irá apresentar queixas relativamente a dor, quer seja aguda ou crónica. Como tal, a maior percentagem económica vai para intervenção na dor, podendo passar pela intervenção cirúrgica e farmacológica. Mesmo intervenções não farmacológicas, que podem até ser mais eficazes, têm o seu custo. O que me leva a outra questão pertinente: o acesso!

Tendo em consideração as longas listas de espera, a marcação de consultas de especialidade podem levar 15 dias ou até meses de distância, entre uma primeira e de seguimento. Até mesmo para marcação de uma primeira sessão, pode ser muito demorado. Isto faz com que haja a necessidade de recorrer aos grupos privados onde, obviamente, os custos são muito maiores. Claro que a pessoa pode ter um plano de saúde e obter uma redução de preço, sabendo que o que não paga nas clinicas e hospitais, paga às seguradoras pelos seus planos de saúde. 

Permitem-me que me centre agora na Psicologia. Começa a ser indiscutível que existem riscos para a Saúde Mental da população. Quer acreditemos que Depressão e Ansiedade sejam doenças ou apenas um conjunto de processos que provocam consequências graves para o funcionamento da pessoa, o que é um fato é que torna-se necessário ajudar. Contudo, o acesso público à Psicologia continua pela ruas da amargura! A carreira pública está parada desde os anos 90 ou até menos, sem grande previsão de mudanças. Por mais que a Ordem dos Psicólogos Portugueses tente sensibilizar os diferentes Governos para o aumento dos técnicos superiores de saúde no SNS, estes pedidos nunca são acedidos. Em vez disso, assistimos a um aumento de baixas psiquiátricas, um maior consumo de medicação, aumento de agressividade e violência, aumento de insastifação para a vida. 

Apesar da investigação comprovar a eficácia de Psicoterapia, a médio-longo prazo, assim como os seus custos favoráveis em comparação com intervenção farmacológica, o recurso a Psicoterapia ainda continua a ser uma segunda opção e quando ela consegue ser acessida!

Isto faz com que as pessoas tendam a recorrer ao contexto privado, onde os custos podem ser superiores. Certamente que os resultados podem aparecer, sendo que tem de se considerar o investimento económico. Por exemplo, se for um Psicólogo que cobre 50 Euros por sessão e que consiga ter 30 ou 40 pacientes por semana, estamos perante o ganho semanal de 1500 a 2000 Euros. É muito dinheiro!

Quer gostemos ou não da ideia, a Saúde é um negócio! E mais, existem muitos Psicólogos no mercado a lutarem pelo seu espaço e público. 

Infelizmente, leva-me à triste conclusão da hipocrisia que se vive na minha profissão. Tanto a Ordem dos Psicólogos, como alguns grupos de Psicologia, apregoam bem alto sobre a união da classe, sobre o desenvolvimento da Psicologia em Portugal, sobre a valorização do papel dos Psicólogos e de como são vistos pela Sociedade e pelos seus parceiros profissionais. E isto acontece cara-a-cara!

Secretamente, essas mesmas pessoas estão a pensar em como podem obter a vantagem de venderem o seu "produto", esmagando a competição! Sim, porque existem muitos colegas que olham assim para os outros, como competição e alvos a abater. Nos basteadores, desvalorizam e descredibilizam outros colegas apenas para ganharem os seus 50 Euros ou pouco mais. 

Não acredite em mim? Pense nas clinicas que se tornaram "franshises". Acha mesmo que os seus valores passam somente por ajudar as pessoas? Isso é tudo muito altruísta, até as grandes notas começarem a entrar!

Não me interpretem mal, todos nós precisamos de viver e isso não pode ser feito sem dinheiro. Não é isso que está em causa. O que está em causa é a questão económica se tornar um dos factores decisivos para a falta de união e entre-ajuda na classe dos Psicólogos.

A sabedoria popular tem muito que se lhe diga. É como diz o ditado "Quando a esmola é muita, o povo desconfia". Não quero que os meus colegas Psicólogos se tornem paranóicos, apenas que conheçam bem as pessoas com quem trabalhem. Isso pode evitar muitas facadas! 


ASSINE NOSSO EBOOK!
É GRATUITO

Os seus dados serão utilizados unicamente para receber novidades nossas. Não serão divulgados.