Artigos

Está na altura de se ter uma conversa honesta sobre Saúde Mental. Sem tabus, sem receios e sem impedimentos. É importante chamar-mos todos à conversa, a sociedade, os pacientes, os técnicos de Saúde Mental, a comunicação social e o Estado. Desde já, as minhas desculpas aos meus colegas Psicólogos por não incluir os bonitos termos técnicos que nos acostumá-mos. Isto é para todos.

Dizer que 2020 está a ser um ano que ninguém desejou e que todos queremos que acabe, o mais rapidamente possível, é muito pouco. O surgimento de COVID-19, os primeiros casos, as primeiras mortes, as mudanças de estado de doença, a quarentena obrigatória, o desconfinamento e a perda de figuras mediáticas. E o ano ainda não acabou! Já me estava a esquecer das manifestações sobre o que aconteceu a George Floyd e o súbito movimento "Black Life Matters". 

Só por si, qualquer uma destas situações é digna do pódio de atenção. Por outro lado, enquanto profissional de saúde mental, a minha preocupação vem quando este momentos terminarem e o que fica são as suas consequências. Consequências estas que irão afectar a Saúde Mental. Só que este é o problema!

Saúde Mental sempre foi o parente pobre da Saúde. Sejamos honestos! Desde sempre, a ideia de que factores psicológicos, muitos deles difíceis de ver a olho nu, podem influenciar a pessoa e o corpo a ficarem doentes tem sido renegada e gozada. São dores de alma, fraquezas, pessoas a fazerem-se de coitadinhas ou não serem homenzinhos e mulherzinhas.

Se recuarmos no tempo, a primeira atitude que a Sociedade tomou com as pessoas cuja Saúde Mental estaria afectada foi juntá-los a todos, afastá-los das lides saudáveis da Sociedade e trancá-los em asilos hospitalares. Reconhecendo o mérito do inicio da Psiquiatria, houve quem se importasse com essas pessoas e quisesse integrá-los na Sociedade, através da "cura pela palavra". Isso não durou muito!

Temos de compreender que a Medicina é algo explicativo. Os diagnósticos fazem-se através da explicação dos sintomas e alguns testes complementares. Face a isso, o médico prescreve a intervenção necessária. E assim se tornou a Psiquiatria, a partir do momento em que a Psicofarmacologia se desenvolveu. A "cura pela palavra" foi se tornando menor e a medicação foi tornando-se maior. E porquê? Bom, era considerada mais eficaz, mais rentável e justificava a perspectiva que estas doenças invisíveis decorriam devido a um desequilíbrio químico no corpo. 

A "cura pela palavra" haveria de ser retomada por técnicos, muitos deles não sendo médicos. Psicologia nasceu e desenvolveu-se com o objetivo de compreender o Ser Humano, de modo a poder servir o seu bem estar psicológico e fisico. No entanto, na sua ansia de reconhecimento, a Psicologia aproximou-se da Psiquiatria e começou a preocupar-se excessivamente com diagnósticos clínicos. Claro que os Psicólogos devem proceder às suas avaliações de modo a saberem como intervir e ajudar. Talvez nós tenhamos esquecido de atribuir o equilibro adequado.

Vamos então falar a sério e honestamente sobre isto. 

A cultura histórica da Sociedade tem tentado negar o reconhecimento que a Saúde Mental existe e é explorada por instituições mundiais. Lá está, são males de crescimento e uma demonstração de fraqueza! Tretas!!!

Depois temos as emoções. Somos educados a ter uma relação muito pobre com as emoções, especialmente a sua expressão. Temos de ser fortes! Como se costuma dizer, "um homem não chora!". Isso é para maricas!

Passemos então à cultura das relações superficiais. Hoje em dia, o aprofundar das relações dá mais trabalho do que mais valias e então mantemos tudo à superfície. Todos os benefícios e zero preocupações! E quando a coisa começa a ficar complicada, simplesmente mudamos para outra, muitas vezes sem fazer muito esforço para perceber como se poderia ser diferente. 

Ainda sobre a superficialidade, não é tão interessante como toda a gente parece tão feliz e realizada nas redes sociais? Giro, não é? Como é que depois se explica o aumento de consumo de substâncias, psicofármacos, Depressão, Ansiedade e Suicídio? É um absoluto mistério... Mas o que importa é que nas redes sociais e perante outros, a pessoa estava a sorrir! Como vimos antes, as pessoas podem ser superficiais e o sorriso ser fingido. Já para não falar com todo o Photoshop e filtros acessíveis. 

E claro, se não estiveres com eles, estás contra eles! A expressão livre e critica de opiniões que vai contra a cultura não é permitida, nos tempos em que vivemos. Quando isso acontece, observa-se o fenómeno conhecido como "Culture Cancel". Um fenómeno de autêntico cyberbullying, em que uma pessoa é sistematicamente agredida só porque um grupo não concorda com uma ideia. 

Não estamos apenas a falar de questões intelectuais, também de imagem. A Sociedade é plástica e promove ser-se plástico! Para se ser-se alguém neste mundo tem de se ter uma determinada imagem, um determinado tipo de corpo, pertencer a um determinado estilo de vida! Se não pertencemos, somos colocados de lado. Ao tentarmos pertencer, corremos o risco de ficar doentes. Especialmente Saúde Mental. 

Nem sempre a Saúde Mental permanece escondida. Às vezes ele surge, nem que seja por breves momentos. O momento atual é prova disso, com a tragédia de Pedro Lima. Todas as vidas são importantes e mortes trágicas são sempre lamentáveis e veículos de aprendizagem. A questão é que eu tenho a certeza absoluta que a Depressão e Suicídio não seriam faladas se Pedro Lima tivesse uma carreira de não exposição mediática. Mas não temam! Em breve, já ninguém vai continuar a falar sobre isso... A não ser a comunicação social, para tentar apurar lixo.

Por falar na comunicação social, a maneira como a Saúde Mental é retratada é completamente deplorável! Se eu fosse uma pessoa agressiva, iria até imputar responsáveis. Afinal de contas, sexo vende! Morte vende! Sofrimento vende! Conquistas são sempre renegadas para tragédias. O que interessa é o impacto e venda. Mas não posso culpar a comunicação social só, já que eles estão a dar aquilo que as pessoas começaram a mostrar preferência.

Comecei por dizer que a Saúde Mental é o parente pobre da Saúde. É um facto. Governo após Governo, a capacidade de contratação de técnicos e orçamento para a Saúde Mental tem sido cada vez mais reduzido. Por outro lado, o consumo e venda de Psicofármacos tem aumentado exponencialmente! Temos o exemplo da Pandemia, por exemplo, onde a Saúde Mental não tem sido devidamente considerada pelos nossos governantes, apesar de irem a público dizer o contrário, entre meios sorrisos. Pergunto como é que as pessoas que querem ajuda podem ter um bom acesso a ela?

Terminado esta minha expressão opinião criticando o que mais gosto. Os Técnicos de Saúde Mental. A Psicologia que mostra como uma ciência da relação está cada vez mais afastada. Esse afastamento é dos pares, outros profissionais e da relação em si. 

Se não se pertence a um grupo ou se tem grandes cunhas, a maior parte dos Psicólogos trabalham sozinhos. Esta "união" só é vista dos Dias do Psicólogo (seja lá o que for isso!), nos Congressos Nacionais e nas eleições para a Ordem. Aí somos todos Psicólogos! Ah claro, quase que me esqueci da parte do criticar! De resto, Psicólogos em grandes cidades passam mais tempo a tentar agarrar pacientes e promover uma determinada "imagem de marketing". Imagem essa que pode não estar associada com competência. 

Em relação a outros profissionais, muitos Psicólogos têm resistências em trabalhar com outros parceiros, especialmente Psiquiatras, Médicos, Nutricionistas, etc. Penso que seja por medo que nos roubem pacientes, pelo hábito de estarmos sempre isolados e também porque existe uma tendência para minorar o papel do Psicólogo e a ciência da Psicologia. 

Da relação em si. Psicólogos parecem estar mais focados em diagnósticos, técnicas, resultados, números de satisfação e integrarem as técnicas informáticas. No decurso, corre-se o risco de perdermos a nossa Humanidade e deixarmos de perceber que a nossa maior eficácia, a nossa maior arma, a nossa maior arma, está na relação humana que estabelecemos com os nossos pacientes e que eles tão bem precisam. Para muitos, é das relações mais ricas que construíram até esse ponto. 

Não concordo com colegas que dizem que não queriam estar a escrever textos sobre Depressão e Suicídio. Pelo contrário, acho que devemos continuar a escrever e falar sobre isto. Abertamente, sem tabus e de uma forma simples. Psicólogos tendem a esconder-se por detrás de explicações teóricas e termos que só nós dominamos. Como esperamos chegar às pessoas, se elas não percebem a nossa mensagem? Todos nós deveríamos fazer mais e incluo-me na lista. Devo sempre fazer mais e melhor! Se queremos que nos levem a sério, devemos sempre fazer ouvir a nossa voz profissional e não apenas quando uma crise acontece e depois voltamos a ficar calados até à próxima crise. Nesse momento, as redes sociais enchem-se de Psicólogos para depois desaparecerem e logo quando são mais necessários. 

Quando a mente não consegue acompanhar o corpo, nós ficamos doentes e podemos realmente morrer. E gostaria de terminar a dizer que pedir ajuda é o acto que demonstra maior consciência. Ninguém consegue fazer tudo sozinho e nós não nascemos ensinados. Se tiver um problema no carro, você pede ajuda a um mecânico. Se tiver um problema eléctrico, você pede ajuda a um electricista. Se tiver um problema de Saúde Mental, porque não pede ajuda a um Psicólogo ou Psiquiatra? 


ASSINE NOSSO EBOOK!
É GRATUITO

Os seus dados serão utilizados unicamente para receber novidades nossas. Não serão divulgados.